segunda-feira, 19 de março de 2018

EM TEMPOS DE VIOLÊNCIA CONTRA AS MULHERES : NÃO VOU MAIS LAVAR OS PRATOS, DE CRISTIANE SOBRAL


SOBRE O LIVRO:  NÃO VOU MAIS LAVAR OS PRATOS, DE CRISTIANE SOBRAL

Por Marli Dias Ribeiro




A literatura abre possibilidades, e nesse livro, pude refletir muitos fatos vividos e vistos no cotidiano feminino. Pelo livro, parece ser possível tratar um tema polêmico, complexo e com números alarmantes como o caso da violência contra mulheres. Pelo livro parece ser possível ir além de informações prontas ou análises frias de dados. A vida torna-se impregnada nos versos. 
No verso da minha vida, da sua vida, e da vida de Cristiane Sobral, todas nós mulheres, educadoras, escritoras, gente, somos representadas. Esse livro que indico e aponto, arte e luta em forma de letras.

E os dados.... Vamos aos dados:  em 2013, 13 mulheres morreram todas vítimas de feminicídio, pelos dados de 2015 o assassinato de mulheres negras aumentou (54%) e o de brancas diminuiu (9,8%), no estado do Rio de Janeiro, há um caso de estupro em escola a cada cinco dias e 62% das vítimas tinham menos de 12 anos, a violência parece não cessar apesar da Lei Maria da Penha. 
 Nessa lógica, a literatura que perpassa tempos, espaços e contextos nos permite   uma releitura da realidade, da pessoa. Uma identificação que pode ser alcançada quando entre as linhas de um texto revelam-se o íntimo, o oculto, a representação imaginária de uma vontade velada pela voz, mas descrita, escrita em livros e em vidas. Foi esse sentimento que se apoderou de mim.

Não vou mais lavar os pratos! Sonoro grito de liberdade. Essa metáfora forte e viva me inspira. Me lembra que hoje, aprendi a ler, comecei a ler, e não lavo mais as roupas, os sapatos, os pés do senhor, da senhora.! Será que decretei minha Lei Áurea? Confesso que tenho pensado, ainda tenho interrogações quando observo minha rotina e a rotina de muitas mulheres. 
Somos muitas e  subjugas, discriminadas, violentadas. Cristiane Sobral, diz em sua poesia: Agora que comecei a ler entendi (Cristine Sobral). Pura verdade, o mundo se abre e se abriu, quero entender, rever, criticar e lutar. Ainda tentam calar a nossa fala, a nossa escrita, nossas vidas. Vamos ler, alfabetizar-se, nos alfabetizar. Vamos juntas.

Mas, sim, lavei roupas, pratos, ao lado de minha mãe. As mulheres que conhecei foram e são guerreiras ( grifo meu), firmes diante das chibatas da realidade. (Cristine Sobral).  Por isso, em longos anos lavei as roupas, com esse grito preso pela rotina intensa de um trabalho suado, executado para manter a família. 
Consegui dizer, apenas falei, não gritei. Foram tempos de violência, uma violência ainda presente, ela ainda resiste. E depois de alguns anos, as letras me ensinaram a ver outros rumos, outros mundos. As letras ensinam, foi no livro que aprendi. Foi quando, enfim, puder tirar a sujeira dos meus olhos. A sujeira, ah, dessa lavei-me.

Por isso mulheres, leiam, esse livro, outros livros. Leiam. Penso ser a leitura uma potente arma para enfrentar a violência. Os livros serão a diáspora feminina, a liberdade do corpo, evocação e exaltação de alma negra, da pele parda, branca, colorida de todas as mulheres.

Encerro esse escrito com trechos do poema Resiliência, do mesmo livro de Cristiane Sobral: 

Talvez eu tenha que saltar um muro
Posso até quebrar as pernas (...)
Mas não me entregarei simplesmente
O mal não vai encontrar futuro (...)
Enxergarei uma nova estrada diante de mim.

Desejo novas estradas, sem violência a todas as mulheres, e a Cristiane, novos livros, prosas poéticas, para nos aventurarmos em sua criação transformadora, grito negro e pardo, e branco e de todas as cores. Grito contra todas as formas de violência.


SOBRAL, Cristiane. Não vou mais lavar os pratos. Brasília: Atalaia, 2010.
Sobre Cristiane Sobral, acesse seu blog: http://cristianesobral.blogspot.com.br/
Dados acesse o site: Panorama da violência contra as mulheres no Brasil: indicadores nacionais e estaduais (Observatório da Mulher contra a Violência/Senado Federal, 2016).
Imagem: arquivo pessoal


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